28.8.08

inéditos XXII

vazio

nenhuma palavra
ou melhor
apenas uma
(eita)
no peito uma dor

suave dor
brisa na espinha

o dia segue
é preciso sorrir
fingir que tudo está bem

ir para a aula
conversar em família
ler teorias

na noite penso nela
seguro os dedos
para não ligar

sinto-a bem

forte e sorrindo
sinto o seu brilho
de longe, distante

não sou dele o motivo

já fui

revejo nossas fotos
nelas há felicidade
que num belo momento
se dissipou, e em mim

virou saudade

não sei
onde guardar meu amor
dolorido e machucado
pelo silêncio

nunca mais cartas
nunca mais mensagens
nunca mais ela sorrindo
me chamando de moço lindo

fiquei mal acostumado
com teu tom de desejo
de paixão embalando o peito

ela não me quer mais
e isso dói fundo
pois o amor ainda é muito

mas

sinto-a bem

forte e sorrindo
sinto o seu brilho
de longe, distante

não sou dele o motivo

irei me curar

entre batuques
esta cidade
e o mar

amanhã cedo
começo a renascer

21.8.08

O dia em que quase morri (VI)

Cena 6

um médico chega

- o que houve?

- me fecharam na estrada

ele olha as radiografias e diz:

- você nasceu de novo
- só quebrou a clavícula

- mas e essa dor no peito doutor?
- eu não consigo respirar

- isto é dá pancada
- você está todo inchado por dentro
- vai doer quando tossir, rir e respirar
- mas depois vai melhorar

- você consegue andar?

levanto da maca e caminho com dificuldade

- vá a sala de gesso imobilizar esta clavícula
- depois limpe os ferimentos e está liberado

19.8.08

O dia em que quase morri (V)

Cena 5

- chegamos!

saio da ambulância em uma maca

luzes
pessoas
luzes
pessoas
luzes
pessoas

sou deixado em uma sala
de luzes apagadas
onde ao fundo
uma mulher grita

o médico da ambulância fala:

- acidente de moto
- mas ele está bem
- só sofreu uma lesão de tórax

continuo respirando lentamente
e com muita dor

o telefone toca
atendo

- sofri um acidente
- mas estou bem
- no hospital de Itaboraí

- e esse aqui?

- leva pro raio-x!

luzes
pessoas
luzes
pessoas
luzes
pessoas

1, 2, 3
meus ossos soltos
batucam entre a maca
e o raio-x

luzes
pessoas
luzes
pessoas
luzes
pessoas

agora estou num corredor

chegam dois patrulheiros

- o que houve?

- me fecharam, um carro branco...

- a pessoa foi presa
- responderá por tentativa de homicídio
- você terá que ir na delegacia depor
- sua moto e documentos estão na PRF de Rio Bonito

18.8.08

O dia em que quase morri (IV)

Cena 4

- sente as pernas, movimenta os braços?

- tudo ok. só dói aqui no peito,
- lado esquerdo
- não consigo respirar

me imobilizam todo

1, 2, 3

me colocam na maca
sinto os ossos soltos por dentro
me colocam na ambulância.
me dão uma máscara com oxigênio

a porta se fecha,
mas a ambulância não sai
pessoas discutem lá fora
a porta se abre
uma pessoa entra e fala:

- guarda meu nome
- Sargento Alves
- do Corpo de Bombeiros de Cabo Frio
- eu vinha atrás de você na estrada
- eu vi tudo. prendi o cara lá na frente

ele me entrega um papel
com nome e telefone
e coloca no meu bolso

ele sai
a porta se fecha,
mas a ambulância não sai

a dor é forte, o ar e pouco, a agonia imensa

a porta se abre e alguém grita:
- me perdoa! me perdoa!

faço sinal de positivo
eu só quero ficar vivo

a porta se fecha
a ambulância começa a andar
a cada sacolejo muita dor

16.8.08

O dia em que quase morri (III)

Cena 3

uma mulher nervosa fala:
- nossa, aqui é foda.
- é um trecho deserto da br 101

um rapaz fala:
- a ambulância sai de Itaboraí
- deve levar uns 10, 15 minutos

o sol do meio-dia
é luz forte no azul.
iluminando meu rosto

não é a luz do infinito
é só o sol
ainda não é o meu fim

sinto vontade de chorar

penso na minha família
na minha amada querida
não posso morrer
não quero morrer

rezo

alguém me pergunta como foi

- um carro me fechou

muita dor para falar

respiro lentamente
e me concentro
em ficar vivo

chega a ambulâncias dos bombeiros

14.8.08

O dia em que quase morri (II)

Cena 2

deito na grama ao lado da estrada
tento respirar bem devagar
muita dor

penso:
- devo estar todo furado por dentro
- hemorragia interna
- em breve vira o sangue pela boca
- o corpo frio. a morte

- Deus não me deixe morrer!

saco o celular do bolso
digito 1 9

chegam pessoas
- ele está vivo
- está respirando
- abre a jaqueta dele
- sente dor em algum lugar?

- só no peito

- lado esquerdo
- não consigo respirar

penso:
- só tenho um pulmão

- o direito
- vou com ele até o fim

começo a rezar

uma mulher grita:
- ele está tremendo!

- ele está gelado!

penso:
- se meu coração parar eles saberão me reanimar?

rezo

puxo e solto o ar
lentamente

muita dor
profunda dor no peito
bem perto do coração

12.8.08

O dia em que quase morri (I)

Cena 1

céu azul
estrada tranqüila
veículos se aproximando no retrovisor

(fechada)

céu
asfalto
céu
asfalto
céu
asfalto

corpo rolando
pelo matagal da estrada

moto caída no acostamento
20 metros da minha direção

fico em pé

tiro o capacete
movimento braços e pernas

tudo ok

- não acredito. não quebrei nada?

coração a mil por hora

puxo o ar

profunda dor no peito
não consigo respirar